As palavras "físico" e "mental" são geralmente utilizadas para descrever o treinamento do Taekwondo, e a maioria dos professores concorda que ele desenvolve tanto a destreza física quanto as habilidades mentais.
Mas e quanto à dimensão filosófica do Taekwondo? Esta tem a ver em como alguém compreende o treinamento, o ensino e o objetivo último de auto-aperfeiçoamento. O lado filosófico da arte fornece aos praticantes o espírito para desenvolver a si mesmos usando ensinamentos de três grandes filosofias orientais: Confucionismo, Taoísmo e Budismo.
O confucionismo é um sistema filosófico baseado nos ensinamentos de Confúcio, e tem sido praticado na China por cerca de 2.500 anos. Confúcio é a romanização do nome chinês K'ung Fu Tzu, o nome do sábio que viveu de aproximadamente 551 a.C. até 479 a.C.. Um dos mais influentes mestres da história chinesa, ele via sua função como sendo transmitir a antiga tradição cultural chinesa para seus discípulos. A natureza do confucionismo é mais prática, ética e política do que religiosa.
Os ensinamentos de Confúcio têm como tema o papel do homem na sociedade. Para manter a ordem social, ele enfatizava a importância da lealdade ao estado, a piedade filial e a adoração ancestral. Ele acreditava que cada criatura e cada objeto tinham um lugar determinado na natureza e deveria agir de acordo com isso. Ele ensinou que os cidadãos deveriam aprender seus papeis e deveres para promover a harmonia social.
O confucionismo tem uma forte presença no Taekwondo. Em primeiro lugar, a lealdade e o respeito que o Taekwondo ensina aos seus estudantes a ter por seus instrutores, por seus pais e pelo seu país são mandamentos de origem confuciana. Os alunos aprendem a obedecer e a respeitar o líder de sua associação, seu mestres instrutores e todos os professores e faixas pretas. Eles também são encorajados a obedecer e a respeitar seus pais e a se comportar de maneira adequada na escola, no trabalho, em casa e na comunidade. Isso é geralmente expresso através de regras que proíbem aos alunos de frequentar as aulas de Taekwondo caso eles quebrem alguma lei ou se envolvam em algum comportamento inapropriado dentro ou fora do dojang. Quando os estudantes fazem o exame para o primeiro dan da faixa preta, eles geralmente juram por certos princípios, os quais podem ser formulados de várias maneiras dependendo da escola:
- Ser leal ao seu país;
- Honrar seus pais e professores;
- Ser leal à sua escola de Taekwondo, ao mestre, aos professores e nunca traí-los;
- Respeitar e honrar os mais velhos e amigos;
- Obedecer às leis e aos regulamentos no estado, do governo local, e da escola de Taekwondo
Em segundo lugar, o sistema de faixas do Taekwondo foi fortemente influenciado pelo Confucionismo. Assim como Confúcio afirmava que tudo tem seu lugar apropriado, o Taekwondo também ensina que cada um no dojang tem seu lugar apropriado. Do criador da arte até ao mais novo iniciante, todos se submetem a um sistema de graduação no qual cada pessoa sabe seu lugar e se comporta de acordo com ele. Isso ajuda a manter a ordem dentro do dojang de forma que o treinamento possa acontecer.
O cumprimento às bandeiras, praticado ao início e ao término de cada treino no Taekwondo, também se deve à influência do Confucionismo.
O Taoísmo é uma contra-filosofia ao Confucionismo, tendo sido desenvolvido por Lao Tzu há mais de 2000 anos. O Taoísmo é essencialmente naturalista e antisocial, e defende a "não-ação", deixando que a ordem natural tome seu curso. A doutrina taoísta de wu wei é basicamente a teoria de "deixar as coisas seguirem seu caminho". Como uma filosofia de vida, significa que cada um deve manter-se nos limites de sua natureza e deixar a vida tomar conta de si mesma.
A palavra Tao significa "caminho". Quando escrita em maiúscula, Tao se refere ao caminho universal da natureza e à não-interferência. Ao se tornar um com o Tao, portanto, o praticante se torna um com a natureza. Ao deixar a natureza seguir seu curso, agindo esponteamente e confiando-se em seu próprio conhecimento intuitivo, o praticante do Taoísmo descobre seu "caminho" para a realização.
A palavra coreana para tao é do. Taekwondo, ou "o caminho dos chutes e dos socos com atitude e concentração apropriadas", guia seus praticantes rumo ao conceito taoísta de auto-aperfeiçoamento. O objetivo do instrutor é tornar seus alunos, ao deixar a escola, pessoas melhores do que quando entraram. Quer estes alunos pratiquem por três semanas ou por três anos, o instrutor precisa ajudá-los a encontrar o seu "caminho". Nem todos os alunos querem aprender a se defender. Alguns estão buscando autoconfiança. Alguns querem forma física. Alguns só querem ter um sentimento de pertencimento a algum grupo. É dever do instrutor guiá-los em direção a melhorar a si mesmos, qualquer que seja o caminho.
O conceito de wu wei, o caminho da não-ação, também influenciou o Taekwondo. Wu wei não necessariamente significa que não se deve fazer nada. Quer dizer apenas que o "fazer das coisas" deve ser feito por razões altruístas. Um curso de ação deve ser seguido porque é correto, e não por outros motivos.
Um instrutor, às vezes, precisa tomar decisões difíceis. Ele pode ter que lidar com estudantes problemáticos que não querem aceitar as regras do dojang. Ele pode ter que evitar promover alunos que ainda não estão preparados o suficiente apesar de já terem cumprido o tempo mínimo naquela faixa. Ele pode ter que mudar o local de sua academia para que ela possa continuar crescendo. Algumas ocasiões exigem que decisões sejam tomadas, enquanto outras podem acontecer naturalmente.
O budismo era originalmente uma filosofia, e com o tempo foi se transformando em uma religião. Surgido há mais de 2.500 anos através dos ensinamos de Siddartha Gautama, esta doutrina consiste em um método de salvação pessoal que prega a renúncia ao desejo, os quais são identificados como a causa do sofrimento. O budismo também ensina a compreender a si mesmo e o seu lugar no universo. Através de um sistema de disciplina e autodesenvolvimento, os praticantes do budismo buscam o nirvana, ou a salvação através da eliminação do desejo.
Em alguns países asiáticos, monges budistas foram ensinados a lutar. Seus exercícios foram desenvolvidos para defesa pessoal e para fortalecer seus corpos de forma que lhes possibilitassem meditar por períodos maiores.
A primeira influência budista sobre o Taekwondo está relacionada à disciplina e à concentração. O tipo de foco necessário para a meditação budista é similar ao tipo necessário para uma aula de Taekwondo. De fato, muitos taekwondistas praticam a arte de controlar mente e corpo através de técnicas de defesa pessoal e concentração. A prática dos poomsae é similar, de certa forma, a uma meditação ativa. Para executar uma série de movimentos, os taekwondistas devem desenvolver concentração e disciplina para fazer cada técnica de forma precisa. Ao se colocar nas formas, eles são absorvidos por elas; eles se tornam conscientes de tudo que a forma tem para ensinar e não se deixam distrair por nada.
A segunda influência do budismo sobre o Taekwondo vem da seita Zen. Os samurais japoneses praticavam o Zen para que pudessem confiar em si mesmos, negar seus desejos por posses materiais e permanecerem focados na busca de seu objetivo.
Implementando as filosofias
As práticas e princípios do Confucionismo, do Taoísmo e do Budismo, que influenciaram o Taekwondo, podem ser observados ainda hoje nos dojangs. Enquanto o Confucionismo mantém a ordem na academia, o Taoísmo e o Budismo buscam guiar alunos e mestres por um caminho de autodescobrimento e auto-aperfeiçoamento.
O dojang não precisa se transformar em um templo, mas ao seguir os princípios dessas filosofias, instrutores e alunos podem se tornar os melhores artistas marciais possíveis. Como Confúcio afirmou, cada pessoa deve determinar o que fazer e então dar o seu melhor para fazê-lo. Mesmo que não consiga, isso não tem problema, pois o que importa é tentar.
Mark Bergmooser
Tradução de Glauber Ataide
Referência
BERGMOOSER, Mark. How Confucianism, Taoism and Buddhism have influence the popular Korean art. In: Black Belt Magazine, vol. 37, n.6. Santa Clarita: Rainbow Publications, 1999.