quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Chutar alto sem aquecimento: o alinhamento correto do corpo para chutes laterais

Este é o sexto artigo da minha coluna sobre treinamento que apareceu na edição de janeiro de 2000 na revista Taekwondo Times.

Para ler o artigo anterior, clique aqui

Além da forma correta de desenvolver flexibilidade - o que significa fazer os alongamentos corretos na hora correta, para dar chutes altos sem nenhum tipo de aquecimento -, você precisa também conhecer e praticar a técnica correta de chutar, incluindo o alinhamento correto do corpo. Neste artigo você aprenderá o alinhamento correto do corpo para o chute lateral. O chute de gancho (puxando) eu abordarei no próximo artigo.

Quando eu comecei a treinar Karate na Polônia, aos 20 anos de idade, era óbvio para mim que se alguma pessoas precisavam se preparar, alongar e se soltar antes de chutar, então havia algo de errado ou com elas, ou com seus chutes.

Eu sabia como me alongar porque eu já estava na AWF (Universidade de Educação Física). Mas alguns intrutores de Karate me mostravam chutes altos que forçariam meus ligamentos, mesmo minha flexibilidade sendo boa. O problema era que o alinhamento do corpo que funcionava para um determinado chute quando seu alvo era baixo (como no Karate Okinawan original) não funcionava quando o alvo era alto - não funcionava, quer dizer, a não ser que a pessoa tivesse uma extraordinária amplitude de movimento nos quadris e nas juntas da parte inferior das costas. (Os chutes altos que tanto atraem os jovens foram introduzidos no Karate por Yoshitaka Funakoshi, filho de Gichin Funakoshi, sem nenhuma preocupação se eles faziam sentido em combate [Draeger, 1974, p. 134].)

Felizmente eu conheci Mac Mierzejewski, o autor de Power High Kicks with No Warm-Up! ("Chutes Altos Fortes sem Aquecimento!", em tradução livre), um excelente lutador de Karate e instrutor que também estudou na AWF. Ele era menos flexível que eu, mas podia dar qualquer chute mais alto do que eu podia dar, com força suficiente para nocautear, e sem nenhum alongamento prévio.

Durante nossos treinos individuais ele me ensinou como alinhar o corpo para uma maior altura e mais potência nos chutes, sem ter que alcançar os limites da amplitude de movimento nas juntas dos quadris. Ele me mostrou os "pequenos" detalhes das técnicas de chutes que te permitem chutar algo e com potência sem aquecimento! E como bônus, estes mesmos pequenos detalhes reduzem as chances de lesões.

Sim, você pode aprender a dar chutes altos estando "frio(a)", sem se machucar, sem puxar os músculos, ou mesmo sem sentir dores. Tudo que você precisa é aprender (e praticar!) o correto alinhamento do corpo para se certificar que seus quadris e joelhos não se machuquem ao dar chutes laterais e chutes ganchos.

Eu usarei o exemplo de um chute lateral de levantamento de perna (yoko keage, no Karate), um chute que deveria ser aprendido antes de aprender o chute alto lateral com impacto no alvo (yoko geri kekomi, no Karate, e Yop-chagi, no Taekwondo), para mostrar como pequenos ajustes em seu posicionamento podem aumentar a altura do chute.

Quando aprendendo o chute lateral de levantamento de perna você deve começar com o levantamento de perna mostrado no artigo anterior (quinto) desta coluna, na Taekwondo Times de novembro de 1999. Este exercício (de levantar a perna para o lado) te permitirá eventualmente alcançar um chute lateral mais alto. Muitas pessoas sentem um pouco de desconforto, até mesmo de dor, quando tentando este alongamento dinâmico. Elas podem levantar cada perna cerca de 45º (e dói mesmo assim).

O problema? Elas tentam manter a perna reta, e levantar a perna reta lateralmente enquanto tentam manter o corpo inteiro reto também. Esta é tipicamente a causa das dificuldades e das dores nos quadris entre iniciantes que tentam dar este chute. Quem não é ensinado a levantar a perna corretamente ou a dar este chute em sua aplicação de combate tende a fazê-lo desta maneira incorreta. 

Para aumentar substancialmente a altura do chute lateral de levantamento de perna, você precisa inclinar a sua pélvis para frente ao mesmo tempo que levanta sua perna para o lado. Para aprender a forma correta faça o seguinte: fique de pé com os pés juntos, estenda seu braço direito para o lado, com a mão à altura dos quadris, palma para baixo. Dobre levemente sua perna direita nas juntas do quadril e do joelho. Posicione seu pé corretamente para o chute lateral (pé de faca, sokuto, no Karate, e balnal, no Taekwondo). Levante a perna direita de forma a chutar a palma da sua mão com a lateral do seu pé. Comece na altura do quadril e aumente a altura dos chutes gradualmente. Certifique-se que você está se inclinando para a frente e de que seu joelho está levemente dobrado, e que ele se levanta à frente de seu pé. Chutar a palma da mão te força a alinhar seu tronco, sua pélvis e a coxa da maneira correta para uma maior amplitude de movimentos nas juntas do quadril. Preste atenção principalmente na direção e na curvatura da inclinação para frente nos desenhos abaixo.


Outro motivo para chutar a palma da mão é para evitar que o alongamento dinâmico se torne um alongamento balístico, sem controle, e para previr alongar além do necessário.

Por falar nisso, a causa da dor e da limitação do movimento lateral tanto no chute de levantamento de perna quanto na abertura lateral é a mesma. Ela é causada pelo abrir (abduzir) das coxas sem inclinar a pélvis para a frente. A "cura" para a dor no lado externo do quadril é inclinar a pélvis para a frente (o que é o mesmo que flexionar os quadris) enquanto tentando o chute lateral ou a abertura. O alinhamento do quadril, da parte inferior da perna e do pé no chute lateral deve ser o mesmo mostrado na visao lateral da posição de montar cavalo (veja o segundo artigo desta coluna na Taekwondo Times, maio de 1999).

Crianças abaixo dos 11 anos não experimentam esta limitação do movimento, pois o ângulo que o colo dos ossos da coxa fazem com os ossos dos quadris é diferente dos adultos. Em crianças, o colo do osso da coxa vai mais agudamente para baixo e mais suavemente para frente. Isso faz o colo da coxa ter contato com o canto superior da cavidade do quadril em uma maior amplitude de abdução do que em adultos, além de manter separado o trocanter do osso do quadril de forma a não restringir o movimento tanto quanto nos adultos. À medida que as crianças crescem, este ângulo gradualmente muda. O colo da coxa se torna mais próximo de um plano horizontal e gira mais para a frente. Estas mudanças reduzem a abdução da coxa, assim como sua rotação externa (também conhecida como "giro para fora" ou "primeira posição" no balé). Por volta dos 11 anos este ângulo se acomoda. Eu explico como esta rotação externa se relaciona com a abertura lateral na página 110 de Stretching Scientifically.